Às vezes estou em casa, mas são poucas. Tudo isso porque sou um prof. de filosofia que só representa um nº para os nossos esclarecidos governantes. Como eles, também sou a imagem do sucesso. Os alunos sucedem-se ano, após ano cada vez mais longe. Educo para absolver os meus pecados, pois "ainda sou do tempo das enfermeiras que não se podiam casar".

Friday, March 31, 2006

A Origem do Homem

No dia 28 de Março de 2006, nasceu a muito pequenina e super-rápida L. M. Na altura do seu nascimento pesava 2kg e 80g e media 44 cm. É assim pequenina pois ainda não tem nove meses. Mais uma vez não pude assistir ao parto. Encontrava-me na escola, em frente a um servil computador que digitava números para os concursos plurianuais de docentes, enquanto o meu cérebro e coração se "embaraçavam" inconscientemente por simpatia com a melhor dádiva que uma mãe pode dar a um homem- ser pai pela segunda vez. Como não sou homem de me entusiasmar muito com máquinas nem computadores, assim que o telemóvel surpreendentemente tocou, desliguei a geringonça, deixei tudo e todos, até um dia destes! e com a roupa que tinha no corpo, a chave do carro, o telemóvel e estas mãos, braços, pernas, músculos e ossos... comecei a voar, atravessando quase um deserto para ver se chegava a tempo de ver a minha segunda filha nascer. Devia estar além Tejo, ainda, quando a L.M. nasceu. Talvez em Avis ou Ponte de Sôr, próximo de Abrantes? Não sei. E isso também pouco importa. Como nunca desmaiei, não queria que esta fosse a primeira vez.
Como devem calcular a minha filha é lindíssima como todas as filhas. Gosta muito do peito da mãe e não tardará nada a ter vinte quilos... A mãe está óptima como sempre, feliz por ter ganho meia estria e ter, mais uma vez, ludibriado toda a gente, fazendo-nos pensar que o "grande dia" seria em meados de Abril.
Estou em casa. A minha casa são estas duas filhas. Elas são o meu país.
Para as continuar a ver todos os dias nos próximos três anos também terei de nascer. Noutra pátria, com outro espírito... mas sempre pai primeiro e depois professor.

Tuesday, March 14, 2006

Desterradíssimo por mais três anos

É altura de concursos. Durante a próxima semana serei o mais meticuloso dos profs. deste país a concorrer. Cem escolas, cinquenta concelhos e vinte e três zonas pedagógicas são números suficientes para que me calhe alguma coisa. Como já sou um prof. do quadro (neste caso do QZP de Évora) não tenho muito com que me preocupar. Estar preocupado é estar pré-ocupado e o meu concurso é só para a semana. Porque o meu nome é J de janela, a minha vez é já a seguir...
Depois de ter trabalhado onze anos a tempo inteiro, com dedicação plena a uma das mais nobres causas que é a de fazer luz nas cabeças dos meninos e das meninas do Portugal futuro, o que as cabeças dos meninos e das meninas do Portugal presente que decidem, sabem fazer é desterrar-me. Não porque me tenham roubado a terra. A minha terra é o Portugal inteiro em qualquer parte do mundo. Só me desterram quando me roubam os sonhos e uma forma de vida. Sim, porque a minha vida não sou só eu, estou desterradíssimo! Eu passo bem só e desterrado, mas como sou pai, ainda por cima consciente da importância que a minha presença tem no processo de desenvolvimento social, afectivo, cognitivo... das minhas filhas, pequeninas de alguns centímetros, e por isso desprotegidas, indefesas, inocentes... aí só posso sentir-me desterradíssimo.
O destacamento por apróximação à residência é só para aqueles que estão "instalados" nas escolas (Q.E). Fazem por isso parte das instalações, são mais um número do Portugal presente e os outros, como eu, concorram para as vagas inexistentes e para as negativas que estão ao pé de casa - ondem crescem sem mim as minhas filhas.
Estou desterradíssimo, pronto. A culpa é dos professores que não souberam educar os ministros quando estes eram crianças. Salvam-me os colegas e alguns amigos solidários no Portugal futuro que queremos construir.

Monday, March 06, 2006

Aula prática de filosofia

Para realizar uma aula prática de filosofia é necessário apenas respirar fundo e aguardar dez segundos. Tudo o resto é mera consequência. Mas antes de começar é necessário atender a um conjunto de pré-requisitos essenciais:
1º não acredite que filosofar é estar fora do mundo,
2º descontraia o suficiente mas não adormeça;
3º use o corpo inteiro – a cabeça, o tronco e os membros;
4º sinta o coração bater (com a mão no peito caso não o comprove);
5º fixe com o olhar o sol até cegar por completo;
6º guarde nesse instante a última memória do mundo e feche os olhos;
7ºcompare o dia de hoje com os outros dias. É provável que as diferenças sejam pequenas. Se você nasceu ontem, o dia de hoje será idêntico ao de amanhã;
8ºse você nasceu há mais tempo é provável que amanhã seja tarde,
9ºnão se precipite. Na maior parte das vezes você ainda tem tempo para um bom pedacinho de ar;
10º pense, pense nos pais, nos irmãos, nos avós, na esposa, nos filhos, na namorada, nos amigos;
11º repense. Repense como seria se não pudesse agora estar a pensar;
12ºcante, grite bem alto o seu nome até estremecer;
13º repare no eco da sua voz;
14º reconheça o seu corpo, o seu rosto e o brilho do seu olhar em frente a um espelho (os olhos devem estar abertos);
15º reconheça os outros rostos, outros corpos, outras vozes;
16º respire fundo e abandone as preocupações. As pré-ocupações são tão desnecessárias como a maioria das mensagens de telemóvel;
17º medite em palavras fáceis como mãe, amigo, paz, liberdade, vida;
18º tome mais um pedaço de ar, feche os olhos, relaxe e sorria...amanhã talvez alguém responda a esse sorriso;
19º respeite os sorrisos. Faça cara séria a quem não respeitar o seu sorriso e entregue-lhe este documento;
20º não acredite em distâncias. Se aquilo que procura está longe faça-se ao caminho.