Às vezes estou em casa, mas são poucas. Tudo isso porque sou um prof. de filosofia que só representa um nº para os nossos esclarecidos governantes. Como eles, também sou a imagem do sucesso. Os alunos sucedem-se ano, após ano cada vez mais longe. Educo para absolver os meus pecados, pois "ainda sou do tempo das enfermeiras que não se podiam casar".

Saturday, December 23, 2006

Carta ao Pai Natal

Pai Natal,

Escrevo-te perfeitamente convicto de que não vais receber esta carta e o meu pedido. Não vais recebê-la porque realmente não sei a tua morada. Esta é uma carta sem destino e por isso, muito especial. Mesmo tendo decidido que não vou meter esta carta no correio, decidi escrever-te apesar de ter muitas e boas razões para duvidar se a irás ler. Primeiro, porque já te disse, não sei a tua morada; segundo porque duvido que tu existas; e terceiro, porque mesmo que existisses e lesses o que tenho para te dizer, não saberias como atender o pedido de um homem crescido que já não se interessa por brinquedos, nem chocolates, nem nada do que possas transportar dentro do teu saco, no trenó puxado pelas tuas renas da Lapónia que não sei onde fica.
Pai Natal, desculpa estar a ser frontal e sincero contigo, mas enquanto que muitas crianças em todo o mundo depositam em ti a esperança de um presente de Natal, eu que também fui criança nunca te escrevia a ti e sempre acreditei muito mais no Menino Jesus. Talvez por isso duvide tanto da tua existência e da tua capacidade em distribuir indiferenciadamente verdadeiras prendas de Natal. Mais uma vez desculpa a minha frontalidade e sabe que sempre respeitei as pessoas mais velhas e sobretudo os idosos como tu, mas devo dizer-te: tu não existes, nem nunca deverias ter sido inventado, a não ser para as crianças que não têm nenhum Menino Jesus. Se consideras que estou a ser demasiado exagerado na certeza da tua inexistência ou incompetência, mete-me em tribunal por estar a difamar a tua figura. Acontece que ser réu de crimes não cometi é coisa a que começo a ficar habituado desde que fiz trinta e três anos, e por isso, enfrentar-te-ei na barra de qualquer tribunal sem advogado de defesa. Tenho a certeza de que os meus argumentos irão desmascarar o embuste em que te tornaste por excesso de vaidade. Sempre vestido de vermelho e branco para agradar não sei a quem e com barbas postiças que a serem verdadeiras teriam outra cor quando passasses pelas chaminés. Devo dizer-te, tu tornaste-te num distribuidor ambulante de presentes made in sabe-se lá em que parte que apenas contribui para aumentar a despesa dos pais das crianças inocentes; a receita dos donos das lojas menos inocentes; o acréscimo do endividamento generalizado das famílias; alguma sonolência na contestação generalizada ao governo que respira de alívio com mais umas Opas enquanto todas as famílias se hipnotizam com a alegria das crianças a abrir os presentes que te encomendaram.
Desculpa a minha indignação e falta de paciência, mas devo dizer-te – tu deverias era reformar-te de vez, pois de certeza já terás mais de sessenta e cinco anos e a tua licença de pilotagem para o ternó deve ter caducado o que constitui um perigo para a navegação. Além disso, o Menino Jesus está desempregado e tem um curriculum muito melhor que o teu. Era um bem que farias à Humanidade se te reformasses e desses o lugar ao Menino, que sempre foi muito mais justo na distribuição dos presentes e muito mais humilde do que tu. Não dava presentes caros a quem não os podia pagar e acima de tudo sempre soube trazer no saco das prendas para as crianças e para os adultos coisas muito mais nobres e valiosas. Dava por exemplo, amor às crianças e às famílias, perdão aos pais e às mães que se zangavam muito, perdão às crianças que se portavam mal, aos irmãos, aos tios, aos avós, paz ou tréguas entre todos os inimigos. Sabes, Pai Natal quando tu ainda não tinhas sido inventado aqui, todas as crianças como eu fui brincavam com presentes novos no dia de Natal e todas os tinham na mesma. Até quando os pais explicavam que o Menino Jesus era pobre, alguma coisa fazia brilhar de manhã os olhos surpreendidos de qualquer criança, nem que o presente fosse um chocolate.
Por tudo isto, Pai Natal, o verdadeiro Natal não voltará a visitar-me enquanto que tu não decidires reformar-te de vez, ou então mudares a tua atitude e abrires uma sociedade anónima em que o Menino Jesus volte a ser o sócio gerente e tu o responsável pelas entregas ao domicílio.

P.S. Hohohoh, Hohohoh, é na tua terra. Aqui em Portugal diz-se: Feliz Natal.

Tuesday, December 05, 2006

A Universalidade do acto de ensinar

Eu, pai, professor, aluno confesso. Confesso que são muitas as perguntas que me assolam, por vezes o pensamento. São perguntas substantivas, importantes para dar sentido à minha vida, para compreender a minha existência no espaço de convivência com os outros seres humanos…Outras, são perguntas mais práticas, faço-as antevendo respostas mais imediatas, mas nem por isso últimas. Faço-as porque ajudam a perceber o papel que desempenho no mundo e com a sua resposta antevejo o papel dos outros também. Confesso. Decidi escrever para diminuir a febre que me prende os músculos. Nem sei por onde começar – entendam, isto não pressupõe necessariamente um começo. Mas estas perguntas são para todos nós, membros de uma comunidade, perguntas pertinentes. O que é ensinar? Qual o significado da escola? O que é a docência? O que é ser professor? Não pretendo relativizar, nem mesmo demonstrar cepticismo em relação ao que estes conceitos representam para a maioria das pessoas. O meu propósito, assemelha-se ao da dona de casa: arrumar as coisas e organizar o espaço. Por isso, me proponho a definir estes conceitos e aclarar as suas noções, talvez pela importância que elas impõem. Se o meu latim não falhar, o DOCENTE tomado na sua acepção etimológica é alguém parecido com um maquinista, motorista ou piloto. Ducere significa conduzir, identificando assim o sentido profundo da docência: aquele que conduz a bom porto os alunos, aquele que lhes abre caminhos e perspectivas para que atinjam a meta, aquele que lhes indicia o caminho. Manobrar o veículo não significa forçá-lo na sua trajectória, mas antes estimular os mecanismos e as engrenagens que o façam atingir um in-determinado ponto – a meta que se pretende alcançar. Para conduzir alunos é necessário que estes se consciencializem que há metas ou objectivos, como tudo na vida. Daí a necessidade do docente professar. A docência implica o PROFESSOR, uma vez que como homem/mulher de saber (geral, técnico ou especializado) que todo o professor é (deve ser) a sua função, análoga à do profeta, é a de revelador. Não pretendo com isto significar que o professor é alguém que tal como o profeta transmite uma verdade divina, mas antes, mostrar que a missão do professor é professar: transmitir conhecimentos que obtenham para o aluno o significado de revelação suscitando assim o interesse. O significado do professor não é deste modo separável doutro mais amplo como é o de ESCOLA. Do grego skholé que significa descanso, ócio dedicado ao estudo, à meditação e contemplação do saber (episteme), ou schola, ae, em latim, cujo significado remete para a ocupação literária, lição, curso, lugar onde se ensina, sistema de doutrina. Por último falta-me responder à primeira questão, que propositadamente deixei para o fim. O que é ensinar? O que se entende por ensino? Tal como nas respostas anteriores este conceito não é separável do de escola, nem de docência, nem de professor. Mas também não o é de pai, ou de educador, ou de encarregado da educação. Insigé,is ou Insigníre significa marcar, colocar uma marca distinta, distinguir, tornar notável, fazer notar, o que remete para a universalidade do acto de ensinar como algo que não é exclusivo da escola e do professor, mas de todos aqueles que desde a raiz e do berço devem cumprir a função de ensinar: instruir sobre, transmitir princípios, normas e valores socialmente aceites – a isso se chama educar – educare, criar, cultivar, instruir, desenvolver. Porque todos somos alunos, pais e professores também e os verbos ensinar e educar são transitivos.