Às vezes estou em casa, mas são poucas. Tudo isso porque sou um prof. de filosofia que só representa um nº para os nossos esclarecidos governantes. Como eles, também sou a imagem do sucesso. Os alunos sucedem-se ano, após ano cada vez mais longe. Educo para absolver os meus pecados, pois "ainda sou do tempo das enfermeiras que não se podiam casar".

Wednesday, October 15, 2008

O que acontece aos desterrados...

O relato que se segue foi-me enviado, via email, por um amigo e antigo colega de faculdade. Somos os dois naturais do distrito de Braga, temos lá as nossas famílias... Quando comecei a ler pensei efectivamente que tivesse sido ele a vítima do despiste na A2. Sei que faz essa estrada todos os fins-de-semana, pois é professor em Aljustrel. Depois percebi que não fora ele, mas uma colega sua, o que no fundo e dadas as finalidades deste post, vem a ter a mesma importância.
Gostaria de pedir desculpa à colega Manuela Dora Coelho (que não conheço pessoalmente) pela liberdade de colocar aqui o seu texto sem a consultar. Ela pede para reencaminhar o seu mail, este é o meu modo de o divulgar. Desejo-lhe um rápido restabelecimento e a boa sorte de não voltar a repetir aquilo que nos milhares de quilómetros que percorrem pode acontecer a todos os desterrados.
«Olá, boa noite!
Antes de mais, espero que esta mensagem os vá encontrar bem, junto de quem mais amam. Escrevo-vos para vos informar que, ontem, sábado, pelas 23h30m tive um violento acidente na A2, pouco depois da estação de serviço de Grândola, quando vinha a caminho de Aljustrel. O irónico da coisa é que o acidente (despiste, seguido de capotação) foi provocado por um coelho que, aquela hora, resolveu atravessar a estrada, certamente convencido que atravessava uma horta...Eu estou bem (salvo uma colecção de hematomas em todo o lado esquerdo do corpo e, ainda, no lado direito, no local onde batia o fecho do cinto de segurança) mas o Zé Vítor (o meu carro, cuja alcunha advinha das letras da matrícula - "ZV") é que ficou em muito mau estado. A esta altura não sei, ainda, se tem salvação. Porque vos informo disto???É simples: tenho 9 anos de estrada, a caminho do Alentejo, onde dou aulas, sempre a mais de 100km da minha casa.Adoro o meu trabalho e quem trabalha comigo sabe o quanto gosto dos meus alunos mas, desta vez, a minha profissão ia-me custando a vida.Tive sorte, porque o meu carro com apenas 3 anos, fez o que era suposto fazer: o cinto de segurança e os air-bag funcionaram, o sistema eléctrico manteve-se funcional depois do carro parado na valeta lateral à faixa de rodagem (o que me permitiu abrir os vidros eléctricos e poder sair, pelo meu próprio pé, pela janela lateral, com a ajuda e o incentivo do funcionário da Brisa, que foi o primeiro a chegar ao pé de mim) e, apesar do descalabro da chapa, não houve detritos a voarem dentro da viatura (pelo contrário, o conteúdo da mala espalhou-se por cerca de 20m ao redor do carro).Mas, da próxima vez, como vai ser???Numa altura em que circulam inúmeros mails sobre a avaliação do nosso desempenho, eu só gostaria de saber qual é o desempenho que o ministério espera de uma professora colocada a 140km de casa, que paga duas casas e que tem de andar entre a sua residência e o seu local de trabalho, porque a sua vida está dividida entre os afectos e o trabalho, entre aquilo que lhe transmite paz e serenidade e aquilo que a motiva e a estimula?Na prática, para evitar esta situação, tenho de optar entre desistir do que faz parte de mim (o local de onde venho, parte da minha identidade, algo que, como professora de Geografia percebo bem) e o que faz de mim muito daquilo que eu sou (a minha profissão ou, como gosto de lhe chamar, o meu "metier", a arte de ensinar-motivando e de transmitir-orientando...)Eles falam do nosso desempenho sem se questionarem sobre o que isso custa (onde estão as ajudas de custo aos professores deslocados? Onde está a possibilidade de podermos descontar fiscalmente as despesas que temos com o nosso trabalho - as resmas de papel, os tinteiros, etc.? Porque é que um advogado, um arquitecto, um engenheiro - já agora, uma boa parte do que constitui o nosso grupo de deputados à Assembleia da República - o podem fazer e eu não????) e do que isso arrasta (quem tomaria conta de mim se as consequências do acidente fossem outras??? Quem pagaria isso??? Será que eu teria direito a algo???)Peço-vos que, por favor, reencaminhem este meu desabafo a TODOS os vossos contactos. A comunidade de professores é grande mas é IMPERATIVO que façamos sentir aos outros o que IMPLICA e o que CUSTA ser professor. E só com histórias concretas, objectivas, com os devidos detalhes, que podem ser verificados, é que talvez consigamos que este país perceba que precisa de nós (porque, aqui, eu e o meu acidente, somos apenas a desculpa para a reflexão que sugiro).Não quero terminar sem agradecer a um conjunto de pessoas cuidaram de mim:-Ao/À cidadão/ã que, circulando no sentido norte-sul, foi o primeiro a contactar o 112, o que permitiu que o socorro chegasse ao pé de mim em menos de 6 ou 7 minutos;-Ao funcionário da Brisa que, circulando no sentido contrário, viu o meu despiste e me veio socorrer. Serenou-me, orientou-me e ajudou-me a sair do meu carro. Foi ele, ainda, que me localizou o telemóvel, o que me permitiu avisar familiares e amigos;-Aos Bombeiros de Grândola (quer os que vieram na ambulância e me conduziram ao Hospital do Litoral Alentejano, quer os que vinham na viatura de desencarceramento e que fizeram questão de me vir cumprimentar na ambulância, mostrando claramente o seu alívio por eu estar consciente e autónoma, apesar de ferida);-À Brigada da GNR que ocorreu ao local e que, com serenidade, procedeu ao levantamento da ocorrência e que, posteriormente, me recebeu cordialmente nas suas instalações na área das portagens da Brisa de Grândola, onde eu fui levantar os meus bens (ou os meus "despojos de guerra", se quiserem);-Aos funcionários administrativos, auxiliares, enfermeiros e técnicos do rx do Hospital do Litoral Alentejano que me atenderam com atenção e cordialidade, tal como o Dr.Menezes Silva (médico responsável pelo meu atendimento). E isto tudo sem esquecer a D.Zélia Gama, uma amiga de todas as horas e - sobretudo - de todas as circunstâncias; o Dr.Rui José Ribeiro, o médico que me operou há 3 anos e meio mas, sobretudo, ao afecto sempre presente; à Elisabete Salgueiro, a amiga e confidente de sempre; a Anabela Caldevilla, pelo cuidado e apoio prestado and last, but certainly not least, ao Eng. António Guerreiro, for being there.
Bem hajam. Obrigada por me "escutarem" e, por favor, reencaminhem, porque eles têm de saber.
Manuela Dora Coelho.»

Thursday, October 02, 2008

A Avaliação de des-empenho.

Quanto mais penso na avaliação de desempenho mais me sinto motivado. Cada vez me sobra mais tempo para preparar as minhas aulas. De cada vez que visito a família nos 450 Km que nos separaram estes quatro anos, ignoro o des-empenho da escola e deixo de tomar o Xanax para que possa conviver um pouco com a família sem adormecer. Claro que já nem sequer penso nas centenas de professores de filosofia que estão a dar aulas bem perto da minha casa, enquanto eu (que não sei sequer onde moro, ou donde sou) continuo desterradíssimo. Se eu fosse a avaliar o des-empenho desta medida, os efeitos secundários que ela teve na minha vida e a minha avaliação contasse para a progressão dos governantes... vê-los-ia na lua, quase à mesma distância que eu de casa. Nunca mais esqueço a justificação da minha colocação por três anos... estabilidade do corpo docente.
Inscrevi-me num CNO para relatar a minha história de vida. Como gasto muito dinheiro em viagens achei que seria mais barato do que ir ao psiquiatra. Tenho a certeza que me vão validar competência e passarei muito bem nesta avaliação de desempenho.
RANKINGS E XANAX
Texto de Daniel Oliveira, no Expresso.

"Esta semana evite a companhia de professores. Falar com qualquer um deles pode deixá-lo em mau estado. Vivem, nos dias que correm, em depressão colectiva. A sucessão de reformas, contra-reformas e contra-contra-reformas, a destruição do que se foi fazendo de bom - do ensino especial ao ensino artístico -, a incompetência desta equipa ministerial e o linchamento público de uma classe inteira tem os resultados à vista: as aulas recomeçam com professores tão motivados como um vegetariano perante um bife na pedra.Sabem que os espera apenas uma novidade: a avaliação do seu desempenho. E é, ao que parece, tudo o que interessa a toda a gente: a avaliação dos professores, a avaliação dos alunos, a avaliação das escolas, a avaliação do sistema educativo português.Tenho uma coisa um pouco fora do comum para dizer sobre o assunto: a escola serve para ensinar e aprender. Se isto falha, os exames, as avaliações e os 'rankings' são irrelevantes. Talvez não fosse má ideia, enquanto se avaliam os professores, dar-lhes tempo para eles fazerem aquilo para que lhes pagamos em vez de os soterrar em burocracia. Enquanto se exigem mais e mais exames, garantir que os miúdos aprendem com algum gosto qualquer coisa entre cada um deles.Enquanto se fazem 'rankings', conseguir que a escola seja um lugar de onde não se quer fugir. E enquanto se culpam os professores pelo atraso cultural do país, perder um segundo a ouvir o que eles têm para dizer. Agora que já os deixámos agarrados ao Xanax, acham que é possível gastar algumas energias a dar-lhes razões para gostarem do que fazem? Se não for por melhor razão, só para desanuviar o ambiente nos edifícios onde os nossos filhos passam uma boa parte do dia".